
Séculos XVI e XVII, foram marcados por grandes mudanças no cristianismo. Neste capítulo veremos essas mudanças através do estudo da Reforma. Também estudaremos neste período o movimento Contra-Reformista.
A Reforma
Alguns fatores tornaram inevitável a Reforma. Entre muitos, pode-se
destacar: A relutância da Igreja Católica medieval em aceitar as mudanças
sugeridas por reformadores sinceros como os místicos, Wycliffe e Huss, os
líderes dos concílios reformadores e os humanistas; o surgimento das nações-
estados, que se opuseram ao poderio universal do papa e a formação
da classe média, que se revoltou contra a remessa de reservas para Roma.
Sua fixação ao passado, clássico e pagão, indiferente às forças dinâmicas
que estavam formando uma nova sociedade, a italiana, da qual o papado
fazia parte, adotou uma forma de vida corrupta, sensual e imoral, embora
ilustrada.
Um novo mundo em expansão
Por volta de 1500, os fundamentos da velha sociedade medieval estavam
ruindo e uma nova sociedade, com uma dimensão geográfica muito
ampla e com transformações nos padrões políticos, econômicos, intelectuais
e religiosos, começava a surgir. A síntese medieval foi desafiada duran-te a Reforma, em sua política, pela idéia que a igreja universal deveria
ser substituída por igrejas nacionais ou estatais e igrejas livres. A sua filosofia
escolástica, unida à filosofia grega, deu lugar à teologia bíblica
protestante. Os sacramentos e as obras deram terreno à justificação pela
fé somente.
A) Mudanças Geográficas: Em 1517 as descobertas de Colombo e
de outros exploradores inauguraram uma era de civilização oceânica, em
que os mares do mundo tornaram-se as estradas do mundo. Ao tempo em
que Lutero traduzia o Novo Testamento para o alemão, em 1522, o navio
de Magalhães completava a sua volta ao mundo. As rotas marítimas para
as riquezas do Oriente Antigo eram já uma realidade. Países católicos romanos,
como Portugal , Espanha e França, tornaram-se líderes nas navegações,
enquanto as nações protestantes, como Inglaterra e Holanda, logo
os alcançariam em exploração e colonização.
B)Mudanças Políticas: O conceito medieval de um estado universal
estava dando lugar ao novo conceito de nação-estado. Estas nações-estados,
com poder central e com governos fortes, servidas por uma força
militar e civil, eram nacionalistas, opondo-se ao domínio de um governo
religioso universal. A unidade política do mundo medieval foi substituída
pelas nações-estados, todas empenhadas em sua independência e soberania.
Diante da independência de cada estado, o novo princípio do balanço
do poder, orientador das relações internacionais, tomou o seu lugar de
importância das guerras religiosas do século XVI e XVII.
C)Mudanças Econômicas: Surpreendentemente, algumas mudanças
econômicas ocorreram um pouco antes da Reforma. Durante a Idade Média,
a economia dos países da Europa baseava-se na agricultura, sendo
que fazia do solo a base da riqueza. Por volta de 1500, o ressurgimento
das cidades, a abertura de novos mercados e a descoberta de fontes de
matéria-prima nas recentes terras descobertas inauguram uma era de comércio,
em que a classe média mercantil tomou a frente da nobreza feudal
na liderança da sociedade. A classe média capitalista emergente não
interessava o envio de suas riquezas à igreja universal sob a liderança do
papa em Roma. Pelo menos no norte da Europa, esta reação influenciou a
Reforma.
D)Mudanças Sociais: A organização social horizontal da sociedade
medieval, onde se morria na classe em que se nascia, foi substituída por
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uma sociedade organizada sob traços verticais. Era possível a alguém da
classe baixa emergir à alta. Nos tempos medievais, quem fosse filho de
servo teria pouquíssima chances de mudar de condição, exceto se fosse servir
na igreja. A servidão estava desaparecendo e uma nova classe média,
inexistente na sociedade medieval, formada especialmente por proprietários
livres, pela pequena nobreza da cidade e pela classe mercantil começou a
surgir. Em linhas gerais, foi essa classe média fortalecida que garantiu as
mudanças introduzidas pela Reforma no noroeste da Europa.
E) Mudanças Intelectuais: As transformações intelectuais provocadas
pelo Renascimento, criaram um clima intelectual que favoreceu o desenvolvimento
do protestantismo. O interesse pela volta às fontes do passado
levou os humanistas cristãos do norte ao estudo da Bíblia nas línguas originais.
Deste modo, as diferenças entre a Igreja Primitiva e a Igreja Apostólica
Romana tornaram-se claras, para prejuízo da organização eclesiástica,
medieval e papista. A ênfase renascentista no indivíduo foi um fator preponderante
no desenvolvimento do ensino protestante de que a salvação era
uma questão pessoal, a ser resolvida pelo indivíduo em íntima relação com
Deus, sem a interferência de um sacerdote como mediador humano. O espírito
crítico do Renascimento foi usado pelos reformadores para justificar
sua crítica à hierarquia e aos sacramentos, mediante comparação com as
Escrituras. Embora o Renascimento na Itália tivesse contornos humanistas
e pagãos, as tendências que gerou foram assumidas no norte da Europa pelos
humanistas e reformadores cristãos e por eles usadas para justificar o
estudo da Bíblia no original como documento básico da fé cristã.
F)Mudanças Religiosas: A uniformidade religiosa medieval deu lugar,
no início do século XVI, à diversidade religiosa. A autoridade da Igreja
Romana foi substituída pela autoridade da Bíblia, de leitura livre a qualquer
um. Os padrões estáticos da civilização medieval foram substituídos
pelos padrões dinâmicos da sociedade moderna. As mudanças no setor religioso
não foram as menos importantes que ocorreram na civilização européia
ocidental.
Os Reformadores
O nome e o sentido dados à Reforma são condicionados pela visão do
historiador. O católico romano entende-a apenas como uma revolta protestante
contra a igreja universal. O protestante considera-a como uma reforma que fez a vida religiosa voltar aos padrões do Novo Testamento.
A Reforma não se explica de forma tão simples, porque as suas
causas são múltiplas e complexas. Ela tem causas derivativas e determinativas.
As personalidades criativas de alguns líderes da Reforma, como
Lutero, Calvino e outros, determinaram a direção tomada. Os líderes da
Reforma Protestante saíram, em geral, da classe média, enquanto que os
da Contra-Reforma vieram da aristocracia.
A) Martinho Lutero e a Reforma na Alemanha
João Huss, um dos mais famosos precursores da Reforma, no momento
da sua execução, disse em alto e bom som: “Podem matar o ganso
(na sua língua “huss” é ganso), mas daqui a cem anos surgirá um cisne
que não poderão queimar”. Cem anos após ditas estas palavras, isto é, a
em 1483, em Eisblen, na Saxônia, nascia Martinho Lutero.
Lutero teve um preparo religioso com base na piedade simples da
família alemã da Idade Média, misturado de realismo e superstição características
da era medieval. Na sua infância, foi profundamente religioso,
mas sem exageros. O grande desejo do seu pai era vê-lo formado em Direito
e, para tanto, com a idade de apenas dezoito anos, ingressou na
mais famosa Universidade alemã- a de Erfurt. Levou quatro anos de estudos
preliminares. Durante esse tempo, destacou-se como um moço estudioso,
orador capaz, hábil polemista, amante da música e admirado pelos
colegas.
Já estava preparado para iniciar sua vida profissional quando, de repente,
para o espanto dos amigos e desapontamento do pai, tornou-se
monge, entrando para o Convento dos Agostinianos, em Erfurt. Desejava
a certeza da salvação mais do que qualquer outra coisa, e, com o propósito
de alcançá-la empreendeu peregrinações aos locais indicados pela igreja,
jejuns e sacrifícios que às vezes iam além do suportável por uma pessoa
normal. No mosteiro, travou consigo mesmo uma grande guerra interior,
pois não encontrava ali aquilo que esperava alcançar. Foi um monge
de vida exemplar. Quanto mais ele tentava alcançar Deus de acordo com
os ritos da igreja medieval, mais distante de Deus ele se sentia. Foi através
do Evangelho que libertou-se de tanta angústia e terror espiritual. Ele
era um ardente leitor da Bíblia, especialmente naquilo que se relacionava com o seu ensino na Universidade.
- Uma descoberta revolucionária: No inicio do ano 1512, enquanto
lia a Epístola de Paulo aos Romanos, Lutero encontrou a declaração revolucionária:
“O justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Estas palavras incendiaram-
lhe a mente com vislumbres da verdade que procurava há tanto tempo.
Descobriu que a salvação lhe pertencia, simples e unicamente por fé na obra
que Cristo consumou na Cruz. E foi com o intuito de melhor compreender
esta verdade, que empreendeu cuidadoso estudo das Escrituras, e das
obras de grandes mestres cristãos, como Agostinho e Anselmo. Lutero tinha
convicção da verdade que descobriu nas Escrituras e da magnitude das
decisões que tomaria a partir daí na defesa da mesma. Essa experiência
trouxe novo impulso à sua vida religiosa- impulso necessário ao seu trabalho
de reformar a igreja que havia sido paganizada.
Por mais de quatro anos Lutero trabalhou em Wittenberg, decepcionado
com a igreja mas sem romper com seus líderes. Nessa época, adquiriu
projeção como um dos mais destacados líderes da sua Ordem. Ele tinha
uma capacidade extraordinária de citar as Escrituras e aplicá-las às necessidades
espirituais e morais do povo do seu tempo. As verdades recémdescobertas
fizeram dele um pregador notável e dotado de evidente unção
do Espírito Santo. Quanto mais ele falava das verdades bíblicas que descobria,
mais claras elas se tornavam.
- As indulgências: Numa localidade próxima a Wittenberg, em 1517,
apareceu um frade dominicano alemão enviado pelo arcebispo de Mogúncia
para vender indulgências emitidas pelo papa de Roma. Indulgências era
algo que, apresentadas como favores divinos, concedida aos homens, mediante
os méritos do papa, pelo perdão dos pecados. As mesmas eram adquiridas
em troca de dinheiro que, conforme os que as vendiam, seria usado
na construção da Basílica de São Pedro, em Roma. Tendo chegado ao conhecimento
de Lutero através do confessionário, ele convenceu-se de que o
tráfico das indulgências estava desviando o povo do ensino de Deus e enfraquecendo
seriamente a vida moral da Igreja. Foi então que decidiu enfrentar
tão grande erro e abuso.