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PAIS PÓS-NICENOS

Entre os Concílios de Nicéia (325 e de Calcedônia (451, vários dos mais capazes Pais da Igreja Cristã desempenharam seu minstério. Eles procuraram estudar a Bíblia em bases científicas a fim de desenvolverem o seu significado teológico. Sem dúvidas, Agostinho foi o maior deles.

Eles seguiram a escola de Antioquia ou síria de interpretação, destacando o estudo histórico-gramatical da Bíblia com intenção de descobrir o significado que o escritor sagrado tinha em mente para aqueles a quem escreveu. Evitaram a tendência alegorizante praticada pelos seguidores da escola alexandrina, que seguiam o exemplo de Orígenes.

JOÃO CRISÓSTOMO (347-407)

João, chamado Crisóstomo devido à sua eloquência, logo depois de sua morte, mereceu literalmente o nome de “boca-de-ouro”. Nasceu por volta de 345 numa família rica, da aristocracia de Antioquia. Sua mãe apesar de ter enviuvado aos 20 anos, recusou-se a casar de novo para poder se dedicar totalmente à educação do filho. Crisóstomo foi aluno do sofista Libânio, amigo do Imperador Juliano. Libânio instruiu-o bem nos clássicos gregos e na retórica, o que lhe deu as bases para sua excelente oratória. Por algum tempo exerceu a advocacia, mas após seu batismo em 386, tornou-se monge.

Com a morte da mãe em 374, passou a viver uma vida ascética e bem rigorosa até 380. Nessa época viveu numa caverna de uma montanha perto de Antioquia. A saúde debilitada o obrigou a abandonar o regime rigoroso. Ordenado em 386, pregou em Antioquia alguns de seus melhores sermões até o ano de 398. Nesse ano foi escolhido como patriarca de Constantinopla, posição que manteve até ser banido em 404 pela Imperatriz Eudóxia, denunciada por ele por usar roupas extravagantes e por colocar uma estátua de prata de si mesma próxima a Santa Sofia, onde ele pregava. Morreu no exílio em 407.

Talvez alguns anos de estudo com Diodoro de Tarso tenham algo a ver com sua capacidade como orador. Cerca de 640 de suas homilias sobreviveram, e basta uma leitura rápida para se ter uma idéia de seu talento nessa área. A maioria de suas homilias ou sermões se constituem em exposições das Epístolas de Paulo. Por não conhecer o hebraico, não fez uma investigação crítica dos textos do Antigo testamento. Mas destacou a importância do contexto e procurou descobrir o sentido literal dado pelo autor e fazer uma aplicação prática desse sentido aos problemas das pessoas de sua época. Essas aplicações morais práticas do evangelho eram marcadas por grande integridade moral. Para ele não deveria haver divórcio entre moral e religião; a cruz e a ética devem caminhar juntas. Não é por acaso que ele foi e continua sendo um dos maiores oradores sacros que a Igreja Oriental já teve.

EUSÉBIO DE CESARÉIA (260-340)

Um dos pais da Igreja mais amplamente estudados é Eusébio de Cesaréia, merecedor do título de pai da História da Igreja quanto Heródoto o é do título de pai da História. Depois de receber uma boa instrução por parte de Panfílio em Cesaréia, ajudou a amigo a organizar sua biblioteca nessa cidade. Eusébio era estudante interessado e lia tudo o que pudesse ajudar em suas pesquisas. Ele se serviu tanto da literatura profana quando da sacra.

A personalidade de Eusébio era adequada aos seus alvos de erudição. Tinha um espírito refinado e cordato e detestava querelas suscitadas pelas heresia ariana. Tomou um lugar de honra ao lado de Constantino no Concílio de Nicéia e, como ele, preferiu uma solução de reconciliação entre os partidos de Atanásio e Ário. Foi o Credo de Cesaréia, escrito por Eusébio de Cesaréia, que o Concílio de Nicéia modificou e aceitou.

Sua maior obra literária é a História Eclesiástica, um panorama da história da Igreja dos tempos apostólicos até 324. Seu propósito era fazer um relato das dificuldades passadas da Igreja, ao fim desse longo período de luta e começo de uma história de prosperidade. A obra continua sendo útil até hoje, uma vez que Eusébio teve acesso à excelente biblioteca de Cesaréia e dos arquivos imperiais.

Eusébio é até hoje nossa melhor fonte sobre a história da Igreja durante os três primeiros século de sua existência, embora eruditos lastimem que não tenha feito notas de rodapé mais precisas em sobre suas fontes de informação, a exemplo do que fazem os historiadores contemporâneos. Apesar de suas monótonas divagações e de sue estilo inconstante, a obra tem sido de inestimável valor para a Igreja ao longo dos séculos.

JERÔNIMO (331-420)

Jerônimo, natural de Veneza, foi batizado em 360 e durante vários anos dedicou-se aos estudos, viajando por Roma e pelas cidade da Gália. Na década seguinte visitou Antioquia e adotou a vida monástica, ocasião em que aprendeu o hebraico. Em 382, tornou-se secretário de Dâmaso, bispo de Roma, que lhe sugeriu a possibilidade de fazer uma nova tradução da Bíblia. Em 386, Jerônimo foi para a Palestina e lá, graças à generosidade de Paula, uma rica senhora romana a quem tinha ensinado hebraico, viveu num retiro monástico em Belém por quase 35 anos.

A maior obra de Jerônimo foi uma tradução latina da Bíblia conhecida como Vulgata. Antes de 391, ele tinha completado a revisão do Novo Testamento latino cuidadosamente cotejado com o grego. A versão da Bíblia feita por Jerônimo tem sido amplamente usada pela Igreja Ocidental e foi, até recentemente, a única Bíblia oficial da Igreja Católica Romana desde o Concílio de Trento.

Jerônimo foi também um exímio comentarista, tendo escrito muitas comentários que são usados até hoje. Sua grande dedicação e seu enorme conhecimento dos clássicos ajudaram-no na interpretação das Escrituras, embora nos últimos anos de sua vida desaprovasse o saber clássico.

AGOSTINHO (354-430)

O Protestantismo e o Catolicismo Romano tributam honra à contribuição que Agostinho deu à causa do cristianismo. Polemista capaz, pregador talentoso, administrador episcopal competente, teólogo notável, ele criou uma filosofia cristã da história que em sua essência, continua válida até hoje. Vivendo num tempo em que a velha civilização clássica parecia sucumbir diante dos bárbaros, Agostinho se posicionou entre dois mundos, o mundo clássico e o novo mundo medieval. Para ele, os homens deveriam olhar adiante para a “Cidade de Deus”, uma civilização espiritual, uma vez que a velha civilização clássica estava passando.

Agostinho nasceu em 354, na casa de um oficial romano na cidade de Tagasta, ao norte da África. Sua mãe, Mônica, dedicou a vida à sua formação e conversão à fé cristã. Seus primeiros anos de estudos foram feitos na escola local, onde aprendeu latim à força de muitos açoites, e odiou tanto o grego que jamais o aprenderia fluentemente. Foi enviado à escola próxima a Madaura e daí para Cartago, para estudar retórica. Livre dos limites familiares, Agostinho fez o mesmo que a maioria dos estudantes de então, e se entregou às paixões da união ilegítima com uma concubina. Seu filho, Adeodato, nasceu dessa união, em 372. Em 373, na busca pela verdade ele aceitou o ensino maniqueísta; no entanto, por considerá-lo insuficiente, voltou à filosofia com a leitura de Hortênsio, de Cícero, e dos ensinos do neoplatonismo. Ensinou retórica em sua cidade natal e em Cartago, até ir para Milão, por volta de 384.

Em 386, aconteceu sua crise de conversão. Um belo dia, meditando num jardim sobre a sua situação espiritual, ouviu uma voz próxima à porta que dizia: “Tome e leia”. Agostinho abriu sua Bíblia em Romanos 13.13-14, cuja leitura trouxe-lhe a luz que sua alma não havia conseguido encontrar nem no maniqueísmo nem no neoplatonismo. Separou-se de sua concubina e abandonou sua profissão de retórica. Sua mãe que tanto orara por sua conversão, morreu logo depois do seu batismo. De volta a Cartago, foi

ordenado sacerdote em 391. Cinco anos depois foi consagrado bispo de Hipona. Daí até sua morte, em 430, dedicou sua vida à administração episcopal, estudando e escrevendo. Ele é apontado como o maior dos pais da Igreja. Deixou mais de 100 livros, 500 sermões e 200 cartas.

Talvez a obra mais conhecida de sua lavra sejam as Confissões, uma das maiores obras autobiográficas de todos os tempos. Nas páginas dessa obra, Agostinho abre a sua alma. Os livros I a VII descrevem sua vida antes da conversão; os dois livros seguintes narram os acontecimentos posteriores à sua conversão, inclusive a morte de sua mãe e sua volta ao norte da África; os livros XI a XIII são comentários aos primeiros capítulos de Gênesis, em que Agostinho recorre à alegoria com frequência.

Os cristãos de todos os tempos têm sido abençoados com a leitura dessa obra escrita por Agostinho para louvor de Deus, cuja graça alcançou um pecador como ele. O livro traz no primeiro parágrafo a citadíssima frase: “Tu nos fizestes para ti e nosso coração não descansará enquanto não repousar em ti”. A consciência de seu pecado e a força do mal, evidenciado por sua vida imoral apaixonada, levaram-no a clamar: “Dá-me a castidade e a continência, mas não ainda”. Essa necessidade só foi preenchida por sua experiência da graça de Deus.

Agostinho escreveu ainda tratados teológicos dos quais De Trinitate, sua obra sobre a Trindade, é o mais importante. Os primeiros sete livros da obra são dedicados a exposição bíblica dessa doutrina. Seu breve trabalho Enchiridion ad Laurentium resume sua ideias teológicas e de certo modo completa outra de suas obras, Retractationes, dando ao leitor uma imagem mais nítida e resumida de sua teologia. Agostinho escreveu também muitas obras polêmicas para defender a fé dos falsos ensinos e das heresias dos maniqueístas, dos donatistas e, principalmente dos pelagianos. Sua De Haeresibus é uma história das heresias.

O bispo de Hipona escreveu obras práticas e pastorais, além de muitas cartas das quais ainda restam umas 240. Essa obras e cartas tratam de muitos problemas práticos que um administrador eclesiástico enfrenta no decorrer dos anos de ministério.

Sua grande obra apologética e sobre a qual reside sua maior fama, é o tratado De Civitate Dei, popularmente conhecida como A Cidade de Deus (413-426). O próprio Agostinho considerava ser essa sua grande obra.

A formulação de uma interpretação cristã da história deve ser considerada uma das contribuições permanentes deixadas por esse grande erudito cristão. Nem historiadores gregos nem romanos foram capazes de compreender tão universalmente a história do homem. Agostinho exalta o poder espiritual sobre o temporal, ao afirmar a soberania do Deus que se tornou o Criador da história no tempo. Deus é Senhor da história e nada o limita como ensinara o filósofo Hegel. Tudo o que vem a ser é uma consequência de sua vontade e ação. Antes mesmo da criação, Deus tinha um plano em vista para sua criação.

Mas Agostinho também contribuiu com alguns erros para o pensamento cristão. Contribuiu para a formulação da doutrina do purgatório com todas as suas consequências nocivas; enfatizou tanto o valor dos dois sacramentos que a doutrina da regeneração batismal e da graça sacramental se tornaram consequências lógicas de sua

posições; sua interpretação do milênio, que ele via como o período entre a Encarnação e a segunda vinda de Cristo em que a Igreja venceria o mundo.

Essa ênfase de Agostinho não devem nos impedir de ver o significado de sua obra para a Igreja Cristã. Os Reformadores encontraram em Agostinho um aliado inestimável na sua crença em que o homem escravizado pelo pecado, necessita da salvação através da graça de Deus pela fé somente. No período entre Paulo e Lutero, a Igreja não teve mais ninguém da estatura moral e espiritual de Agostinho.

 

 

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