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AS PERSEGUIÇÕES IMPERIAIS

SEGUNDO PERÍODO GERAL

 

Desde a Morte de João, 100 a.D. Até ao Edito de Constantino, 313 a.D.

 

O fato de maior destaque na História da Igreja no segundo e terceiro séculos foi, sem dúvida, a persegui­ção ao Cristianismo pelos imperadores romanos. Ape­sar de a perseguição não haver sido contínua, contudo ela se repetia durante anos seguidos, por vezes. Mesmo quando havia paz, a perseguição podia recomeçar a qualquer momento, cada vez mais violenta. A persegui­ção, no quarto século, durou até o ano 313, quando o Edito de Constantino, o primeiro imperador cristão, fez cessar todos os propósitos de destruir a igreja de Cristo. Surpreendente é o fato de se constatar que durante esse período, alguns dos melhores imperadores foram mais ativos na perseguição ao Cristianismo, ao passo que os considerados piores imperadores, eram brandos na oposição, ou então não perseguiam a igreja. Antes de apresentar a história, investiguemos alguns dos motivos que forçaram o governo, de um modo geral justo e que procurava o bem-estar de seus concidadãos, a tentar durante duzentos anos, suprimir uma institui­ção tão reta, tão obediente à lei e tão necessária, como era o Cristanismo. Podem-se apresentar várias causas para justificar o ódio dos imperadores ao Cristianismo.

O paganismo em suas práticas aceitava as novas formas e objetos de adoração que iam surgindo, enquanto o Cristianismo rejeitava qualquer forma ou objetos de adoração. Onde os deuses já se contavam aos centos, quiçá aos milhares, mais um ou menos um não represen­tava diferença. Quando os habitantes de uma cidade desejavam desenvolver o comércio ou a imigração, construíam templos aos deuses que se adoravam em outros países ou cidades, a fim de que os habitantes desses países ou cidades fossem adorá-los. Eis por que nas ruínas da cidade de Pompéia, Itália, se encontra um templo de ísis, uma deusa egípcia. Esse templo foi edificado para fomentar o comércio de Pompéia com o Egito, fazendo com que os comerciantes egípcios se sentissem como em seu próprio país. Por outro lado, o Cristianismo opunha-se a qualquer forma de adoração, pois somente admitia adoração ao seu próprio Deus. Um imperador desejou colocar uma estátua de Cristo no Panteão, um edifício que existe em Roma até hoje, e no qual se colocavam todos os deuses importantes. Porém os cristãos recusaram a oferta com desprezo. Não desejavam que o seu Cristo fosse conhecido mera­mente como um deus qualquer entre outros deuses.

A adoração aos ídolos estava entrelaçada com todos os aspectos da vida. As imagens eram encontradas em todos os lares para serem adoradas. Em todas as festividades eram oferecidas libações aos deuses. As imagens eram adoradas em todas as cerimônias cívicas ou provinciais. Os cristãos, é claro, não participavam dessas formas de adoração. Por essa razão, o povo não dado a pensar considerava-os como seres insociáveis, taciturnos, ateus que não tinham deuses, e aborrecedores de seus companheiros. Com reputação tão desfavorável por parte do povo em geral, apenas um passo os sepa­rava da perseguição.

A adoração ao imperador era considerada como prova de lealdade. Nos lugares mais visíveis de cada cidade havia uma estátua do imperador reinante, e ainda mais, a essa imagem era oferecido incenso, como se oferecia aos deuses. Parece que em uma das primeiras epístolas de Paulo há uma referência cautelosa contra essa forma de idolatria. Os cristãos recusavam-se a prestar tal adoração, mesmo um simples oferecimento de incenso sobre o altar. Pelo fato de cantarem hinos e louvores e adorarem a "outro Rei, um tal Jesus", eram considera­dos pelo povo como desleais e conspiradores de uma revolução.

A primeira geração dos cristãos era tida como rela­cionada com os judeus e o Judaísmo era reconhecido pelo governo como religião permitida apesar de os ju­deus viverem separados dos costumes idólatras e não comerem alimentos usados nas festas dos ídolos. Essa suposta relação preservou os cristãos por algum tempo da perseguição. Entretanto, após a destruição de Jeru­salém, no ano 70, o Cristianismo ficou isolado, sem nenhuma lei que protegesse seus seguidores do ódio dos inimigos.

As reuniões secretas dos cristãos despertaram suspeitas. Eles se reuniam antes do nascer do sol, ou então à noite, quase sempre em cavernas ou nas catacumbas subterrâneas. A esse respeito circulavam falsos rumores de que entre eles praticavam-se atos imorais e criminosos. Além disso, o governo autocrático do império suspeitava de todos os cultos e sociedades secretas, temendo propósitos desleais. A celebração da Ceia do Senhor, da qual eram excluídos os estranhos, repetidas vezes era causa de acusações e de perseguições.

O Cristianismo considerava todos os homens iguais. Não havia nenhuma distinção entre seus membros, nem em suas reuniões. Um escravo podia ser eleito bispo na igreja. Tudo isso eram coisas inaceitáveis para a mentalidade dos nobres, para os filósofos e para as classes governamentais. Os cristãos eram considerados como "niveladores da sociedade", portanto anarquistas, perturbadores da ordem social. Eis por que eram tidos na conta de inimigos do Estado.

Não raro os interesses econômicos também provacavam e excitavam o espírito de perseguição. Assim como o apóstolo Paulo, em Éfeso, esteve em perigo de morte, em razão de um motim incitado por Demétrio, o ourives, assim também, muitas vezes os governantes eram influenciados para perseguir os cristãos, por pessoas cujos interesses financeiros eram prejudicados pelo progresso da igreja: sacerdotes e demais servidores dos templos dos ídolos, os que negociavam com imagens, os escultores, os arquitetos que construíam templos, e todos aqueles que ganhavam a vida por meio da adora­ção pagã. Não era coisa rara ouvir-se o populacho gritar: "Os cristãos às feras, aos leões quando seus negócios e sua arte estavam em perigo, ou quando funcionários públicos ambiciosos desejavam apoderar-se das propriedades de cristãos ricos.

Durante todo o segundo e terceiro séculos, e mui especialmente nos primeiros anos do quarto século até ao ano 313, a religião cristã era proibida e seus partidários eram considerados fora da lei. Apesar dessas circunstâncias, a maior parte do tempo a espada da perseguição estava embainhada e os discípulos rara­mente eram molestados em suas observâncias de caráter religioso. Contudo, mesmo durante estes períodos de calma aparente, estavam sujeitos a perigo repentino a qualquer momento, sempre que um dos governantes desejasse executar os decretos, ou quando algum cristão eminente dava seu testemunho abertamente e sem medo.

Houve, contudo, alguns períodos de curta ou de longa duração, quando a igreja foi alvo de feroz perseguição. As perseguições do primeiro século, efetuadas por Nero (66-68) e por Domiciano (90-95) foram, não há dúvida, explosões de delírio e ódio, sem outro motivo, a não ser a ira de um tirano. Essas perseguições deram-se de forma esporádica e não se prolongavam por muito tempo. Entretanto, desde o ano 250 a 313 d.C. a igreja esteve sujeita a uma série sistemática e implacável de atentados governamentais em todo o império, a fim de esmagar a fé sempre crescente.

Desde o reinado de Trajano ao de Antonino Pio (98-161), o Cristianismo não era reconhecido, mas também não foi perseguido de modo severo. Sob o governo dos quatro imperadores Nerva, Trajano, Adriano e Antonino Pio (os quais, com Marco Aurélio, foram co­nhecidos como os "cinco bons imperadores"), nenhum cristão podia ser preso sem culpa definida e comprovada. O espírito da época inclinava-se a ignorar a religião cristã. Contudo, quando se formulavam acusações e os cristãos se recusavam a retratar-se, os governantes eram obrigados, contra a própria vontade, a pôr em vigor a lei e ordenar a execução. Alguns mártires proeminentes da fé executados nesse período foram os seguintes: Simeão (ou Simão; Marcos 6:3), o sucessor de Tiago, bispo da igreja em Jerusalém e, como aquele, era também irmão do Senhor. Diz-se que alcançou a idade de cento e vinte anos. Foi crucificado por ordem do governador romano na Palestina, no ano 107, durante o reinado de Trajano.

Inácio, bispo de Antioquia da Síria. Ele estava disposto a ser martirizado, pois durante a viagem para Roma escreveu cartas às igrejas manifestando o desejo de não perder a honra de morrer por seu Senhor. Foi lançado às feras no anfiteatro romano, no ano 108 ou 110. Apesar de a perseguição durante estes reinados não haver sido tão forte como a que se manifestou depois, contudo, registraram-se vários casos de martírios, além dos dois que já registramos.

O melhor dos imperadores romanos, e um dos mais eminentes escritores de ética, foi Marco Aurélio, que reinou de 161 a 180. Sua estátua equestre ainda existe diante as ruínas do Capitólio em Roma. Apesar de possuir tão boas qualidades como homem e governante justo, contudo foi acérrimo perseguidor dos cristãos. Ele procurou restaurar a antiga simplicidade da vida romana e com ela a antiga religião. Opunha-se, pois, aos cristãos por considerá-los inovadores. Milhares de crentes em Cristo foram decapitados e devorados pelas feras na arena. Entre a multidão de mártires desse período, desejamos mencionar apenas dois.

Policarpo, bispo de Esmirna, na Ásia Menor; morreu no ano 155. Ao ser levado perante o governador, e instado para abjurar a fé e negar o nome de Jesus, assim respondeu: "Oitenta e seis anos o servi, e somente bens recebi durante todo o tempo. Como poderia eu agora negar ao meu Senhor e Salvador?" Policarpo foi queimado vivo.

Justino Mártir era filósofo antes de se converter, e continuou, ensinando depois de aceitar o Cristianismo. Era um dos homens mais competentes de seu tempo, e um dos principais defensores da fé. Seus livros, que ainda existem, oferecem valiosas informações acerca da vida da igreja nos meados do segundo século. Seu mar­tírio deu-se em Roma, no ano 166.

Depois da morte de Marco Aurélio, no ano 180, seguiu-se em período de confusão. Os imperadores fra­cos e sem dignidade estavam demasiado ocupados com as guerras civis e com seus próprios prazeres, de modo que não lhes sobrava tempo para dar atenção aos cristãos. Entretanto, Septímio Severo, no ano 202, iniciou uma terrível perseguição que durou até à sua morte, no ano 211. Severo possuía uma natureza mórbida e melancólica; era muito rigoroso na execução da disciplina. Procurou, em vão, restaurar as religiões decadentes, do passado. Em todos os lugares havia perseguição contra a igreja; porém, onde ela se manifestou mais intensa foi no Egito e no norte da África. Em Alexandria, Leônidas, pai do grande teólogo Orígenes, foi decapitado. Perpétua, nobre mulher de Cartago, e Felicitas, sua fiel escrava, foram despedaçadas pelas feras, no ano 203. Tão cruel fora o espírito do imperador Septímio Severo, que era considerado por muitos escri­tores cristãos como o anticristo.

No governo dos numerosos imperadores que se seguiram em rápida sucessão, a igreja foi esquecida pelo período de quarenta anos. O imperador Caracala (211-217) confirmou a cidadania a todas as pessoas que não fossem escravas, em todo o império. Essa medida foi um benefício indireto para os cristãos, pois não podiam ser crucificados nem lançados às feras a menos que fossem escravos. Entretanto, no governo de Décio (249-251) iniciou-se outra terrível perseguição; felizmente seu governo foi curto e com sua morte cessou a perseguição durante algum tempo.

Com a morte de Décio seguiram-se mais de cinquenta anos de relativa calma, somente quebrada em alguns períodos por breves levantes contra os cristãos. Um desses períodos foi no tempo de Valeriano, no ano 257. O célebre Cipriano, bispo de Cartago, um dos maiores escritores e dirigentes da igreja desse período, foi morto, e bem assim o bispo romano Sexto.A última, a mais sistemática e a mais terrível de todas as perseguições deu-se no governo de Diocleciano e seus sucessores de 303 a 310. Em uma série de editos determinou-se que todos os exemplares da Bíblia fossem queimados. Ao mesmo tempo ordenou-se que todos os templos construídos em todo o império durante meio século de aparente calma, fossem destruídos. Além disso, exigiu-se que todos renunciassem ao Cristianismo e à fé. Aqueles que o não fizessem, perderiam a cidadania romana, e ficariam sem a proteção da lei.

Em alguns lugares os cristãos eram encerrados nos templos, e depois ateavam-lhe fogo, com todos os mem­bros no seu interior. Consta que o imperador Diocle­ciano erigiu um monumento com esta inscrição: "Em honra ao extermínio da superstição cristã".[1]

Entretanto, setenta anos mais tarde o Cristianismo era a religião oficial do imperador, da corte e do impé­rio. Os imensos Banhos de Diocleciano, em Roma, foram construídos pelo trabalho forçado de escravos cristãos. Porém, doze séculos depois de Diocleciano, uma parte do edifício foi por Miguel Ângelo transformada em igreja de Sta. Maria dos Anjos, dedicada em 1561, e ainda hoje serve para adoração da igreja católico-romana. Diocleciano renunciou ao trono no ano 305, porém seus subordinados e sucessores, Galério e Constâncio, continuaram a perseguição durante seis anos. Constantino, filho de Constâncio, servindo como co-imperador, o qual nesse tempo ainda não professava o Cristianismo, expediu o memorável Edito de Tolerân­cia, no ano 313. Por essa lei o Cristianismo foi oficializado, sua adoração tornou-se legal e cessou a persegui­ção, para não mais voltar, enquanto durou o Império Romano.

 

 

 

 

 

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