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A IGREJA IMPERAL 1º parte

TERCEIRO PERÍODO GERAL

 

Desde o Edito de Constantino, 313.

Até à Queda de Roma, 476.

Vitória do Cristianismo.

 

No período que agora vamos tratar, o fato mais notável, e também o mais influente, tanto para o bem como para o mal, foi a vitória do Cristianismo. No ano 305, quando Diocleciano abdicou o trono imperal, a religião cristã era terminantemente proibida, e aqueles que a professassem eram castigados com torturas e morte. Contra o Cristianismo estavam todos os poderes do Estado. Entretanto, menos de oitenta anos depois, em 380, o Cristianismo foi reconhecido como religião oficial do Império Romano, e um imperador cristão exercia autoridade suprema, cercado de uma corte formada de cristãos professos. Dessa forma passaram os cristãos, de um momento para o outro, do anfiteatro romano onde tinham de enfrentar os leões, a ocupar lugares de honra junto ao trono que governava o mundo!

Logo após a abdicação de Diocleciano, no ano 305, quatro aspirantes à coroa estavam em guerra. Os dois rivais mais poderosos eram Maxêncio e cujos exércitos se enfrentaram na ponte Múvia sobre o Tibre, a dezesseis quilômetros de Roma, no ano 312. Constantino era favorável aos cristãos, apesar de ainda não se confessar como tal. Ele afirmou ter visto no céu uma cruz luminosa com a seguinte inscrição: "In Hoc Signo Vinces" (por este sinal vencerás), e mais tarde, adotou essa inscrição como insígnia do seu exército. A vitória entre Constantino e Maxêncio pertenceu ao primeiro, sendo que Maxêncio morreu afogado no rio Tibre. Pouco tempo depois, em 313, Constantino pro­mulgou o famoso Edito de Tolerância, que oficialmente terminou com as perseguições. Somente no ano 323 foi que Constantino alcançou o posto supremo de impera­dor, e o Cristianismo foi então favorecido. O caráter de Constantino não era perfeito. Apesar de ser conside­rado justo, de um modo geral, contudo, ocasionalmente era cruel e tirano. Dizia-se que "a realidade do seu cristianismo era melhor do que a sua qualidade". Ele retardou o ato de seu batismo até às vésperas da morte, julgando que o ato do batismo lavava todos os pecados cometidos anteriormente, idéia que prevalecia entre os cristãos, naquela época. Se Constantino não foi um grande cristão, foi, sem dúvida, um grande político, pois teve a idéia de unir-se ao movimento que dominaria o futuro de seu império.

Da repentina mudança de relações entre o império e a igreja surgiram resultados de alcance mundial. Alguns úteis e outros danosos, tanto para a igreja como para o Estado. É fácil de verificar em que sentido a nova ati­tude do governo benificiou a causa do Cristianismo.

Cessaram, como já dissemos, todas as perseguições, para sempre. Durante duzentos anos antes, em nenhum momento os cristãos estiveram livres de perigos, acusações e morte. Entretanto, desde a publicação do Edito de Constantino, no ano 313, até ao término do império, a espada foi não somente embainhada; foi en­terrada.

Os templos das igrejas foram restaurados e novamente abertos em toda parte. No período apostólico celebravam-se reuniões em casas particulares e em salões alugados. Mais tarde, nos períodos em que cessa­vam as perseguições, construíam-se templos para as igrejas. Na última perseguição, durante o tempo de Diocleciano, alguns desses templos foram destruídos e outros confiscados pelas autoridades. Todos os templos que ainda existiam quando Constantino subiu ao poder, foram restaurados e aqueles que tinham sido destruí­dos, foram pagos pelas cidades em que estavam. A partir dessa época os cristãos gozaram de plena liberdade para edificar templos que começaram a ser ergui­dos, por toda parte. Esses templos tinham a forma e tomavam o nome da "basílica" romana ou salão da corte, isto é, um retângulo dividido por filas de colunas, tendo na extremidade uma plataforma semicircular com as­sentos para os clérigos. O próprio Constantino deu o exemplo mandando construir templos em Jerusalém, Belém, e na nova capital, Constantinopla. Duas gerações após, começaram a aparecer as imagens nas igrejas. Os cristãos primitivos tinham horror a tudo que pudesse conduzir à idolatria.

Nessa época a adoração pagã ainda era tolerada, porém haviam cessado os sacrifícios oficiais. O fato significativo de uma mudança tão rápida e tão radical em costumes que estavam intimamente ligados a todas as manifestações cívicas e sociais prova que os costumes pagãos eram então mera formalidade e não expressa­vam a crença das pessoas inteligentes.

Em muitos lugares os templos pagãos foram dedicados ao culto cristão. Esses fatos sucediam principalmente nas cidades, enquanto nos pequenos lugares a crença e a adoração pagãs perduraram durante gera­ções. A palavra "pagão", originalmente significava "morador do campo". Mais tarde, porém, passou a sig­nificar, um idólatra, que não pratica a verdadeira ado­ração.

Em todo o império os templos dos deuses do paga­nismo eram mantidos pelo tesouro público, mas, com a mudança que se operara, esses donativos passaram a ser concedidos às igrejas e ao clero cristãos. Em pequena escala a princípio, mas logo depois de maneira generalizada e de forma liberal, os dinheiros públicos foram enriquecendo as igrejas, e os bispos, os ministros, todos os funcionários do culto cristão eram pagos pelo Estado. Era uma dádiva bem recebida pela igreja, porém, de benefício duvidoso.

Ao clero foram concedidos muitos privilégios, nem sempre dados pela lei do império, mas por costume, que pouco depois se transformava em lei. Os deveres cívicos obrigatórios para todos os cidadãos, não se exigiam dos clérigos; estavam isentos de pagamento de impostos. As causas em que estivessem envolvidos os clérigos, eram julgadas por cortes eclesiásticas e não civis. Os ministros da igreja formavam uma classe privilegiada acima da lei do país. Tudo isso foi, também, um bem imediato que se transformou em prejuízo tanto para o Estado como para a igreja.

O primeiro dia da semana (domingo) foi proclamado como dia de descanso e adoração, e a observância em breve se generalizou em todo o império. No ano 321, Constantino proibiu o funcionamento das cortes e tribunais aos domingos, exceto em se tratando de libertar os escravos. Os soldados estavam isentos de exercícios militares aos domingos. Mas os jogos públicos continuaram a realizar-se aos domingos o que o tornava mais um feriado que um dia santo.

Como se vê, do reconhecimento do Cristianismo como religião preferida surgiram alguns bons resulta­dos, tanto para o povo como para a igreja. O espírito da nova religião foi incutido em muitas ordens decretadas por Constantino e seus sucessores imediatos.

A crucificação foi abolida. Note-se que a crucificação era uma forma comum de castigo para os criminosos, exceto para os cidadãos romanos, os únicos que tinham direito a ser decapitados, se fossem condenados à morte. Porém a cruz, emblema sagrado para os cristãos, foi adotada por Constantino, como distintivo de seu exército e foi proibida como instrumento de morte.

O infanticídio foi reprimido. Na história de Roma e suas províncias, era fato comum que qualquer criança que não fosse do agrado do pai, podia ser asfixiada ou "abandonada" para que morresse. Algumas pessoas dedicavam-se a recolher crianças abandonadas; criavam-nas e depois vendiam-nas como escravos. A influência do Cristianismo imprimiu um sentido sagrado à vida humana, até mesmo à das crianças, e fez com que o infanticídio fosse banido do império.

Através de toda a história da república e do Império Romano antes que o Cristianismo chegasse a dominar, mais da metade da população era escrava, sem ne­nhuma proteção legal. Qualquer senhor podia matar os escravos que possuía, se o desejasse. Durante o domí­nio de um dos primeiros imperadores, um rico cidadão romano foi assassinado por um de seus escravos. Segundo a lei, como castigo todos os trezentos escravos daquele cidadão foram mortos, sem levar-se em consideração o sexo, a idade, a culpa ou a inocência. Entretanto, a influência do Cristianismo tornou mais humano o tratamento dado aos escravos. Foram-lhes outorga­dos direitos legais que antes não possuíam. Podiam, de acordo com a lei, acusar seu amo de tratamento cruel, e a emancipação foi assim sancionada e fomentada. Dessa forma as condições dos escravos foram melhoradas e a escravidão foi gradativamente abolida.

As lutas de gladiadores foram proibidas. Essa lei foi posta em vigor na nova capital de Constantino, onde o hipódromo jamais foi contaminado por homens que se matassem uns aos outros para prazer dos espectadores. Contudo, os combates ainda continuaram no anfiteatro romano até ao ano 404, quando o monge Telêmaco inva­diu a arena e tentou apartar os gladiadores. O monge foi assassinado, porém, desde então, cessou a matança de homens para prazer dos espectadores.

Apesar de os triunfos do Cristianismo haverem proporcionado boas coisas ao povo, contudo a sua aliança com o Estado, inevitavelmente devia trazer, como de fato trouxe, maus resultados para a igreja. Se o término da perseguição foi uma bênção, a oficialização do Cristianismo como religião do Estado foi, não há dúvida, maldição.

Todos queriam ser membros da igreja e quase todos eram aceitos. Tanto os bons como os maus, os que buscavam a Deus e os hipócritas buscando vantagens, todos se apressavam em ingressar na comunhão.

Homens mundanos, ambiciosos e sem escrúpulos, todos desejavam postos na igreja, para, assim, obterem  influência social e política. O nível moral do Cristanismo no poder era muito mais baixo do que aquele que des­tinguia os cristãos nos tempos de perseguição.

Os cultos de adoração aumentaram em esplendor, é certo, porém eram menos espirituais e menos sinceros do que no passado. Os costumes e as cerimônias do paganismo foram pouco a pouco infiltrando-se nos cul­tos de adoração. Algumas das antigas festas pagãs foram aceitas na igreja com nomes diferentes. Cerca do ano 405 as imagens dos santos e mártires começaram a aparecer nos templos, como objetos de reverência, ado­ração e culto. A adoração à virgem Maria substituiu a adoração a Vênus e a Diana. A Ceia do Senhor tornou-se um sacrifício em lugar de uma recordação da morte do Senhor. O "ancião" evoluiu de pregador a sacerdote.

Como resultado da ascenção da igreja ao poder, não se vê os ideais do Cristianismo transformando o mundo; o que se vê é o mundo dominando a igreja. A humildade e a santidade da igreja primitiva foram substituídas pela ambição, pelo orgulho e pela arrogância de seus membros. Havia, é certo, ainda alguns cristãos de espí­rito puro, como Mônica, a mãe de Agostinho, e bem assim havia ministros fiéis como Jerônimo e João Crisóstomo. Entretanto, a onda de mudanismo avançou, e venceu a muitos que se diziam discípulos do humilde Senhor.

Se tivesse sido permitido ao Cristianismo desenvolver-se normalmente, sem o controle do Estado, e se o Estado se tivesse mantido livre da ditadura da igreja, tanto um quanto a outra teriam sido mais felizes. Porém a igreja e o Estado tornaram-se uma só entidade quando o Cristianismo foi adotado como religião do império, e dessa união inatural surgiram males sem conta nas províncias orientais e ocidentais. No Oriente, o Estado dominava de tal modo a igreja, que esta perdeu todo o poder que possuía. No Ocidente, como veremos adiante, a igreja, pouco a pouco, usurpou o poder secular e o resultado não foi Cristianismo, e, sim, o estabelecimento de uma hierarquia mais ou menos corrompida que dominava as nações da Europa, fazendo da igreja uma máquina política.

 

 

 

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