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A IGREJA IMPERIAL   TERCEIRA PARTE

 

Desenvolvimento do Poder na Igreja Romana.

A Queda do Império Romano Ocidental.

Dirigentes do Período.

 

Já sabemos que a cidade de Roma foi suplantada por Constantinopla em sua posição de capital política do mundo. Agora veremos a mesma Roma afirmando seu direito de ser a capital da igreja. No decurso dos anos anteriores, a igreja esforçou-se para conquistar prestí¬gio e poder, e agora o bispo de Roma, que já se chamava papa, reclamava o trono de autoridade sobre todo o mundo cristão, e insistia em ser reconhecido como ca¬beça da igreja em toda a Europa ao oeste do Mar Adriático. A essa altura a demanda do papa pelo poder, tanto sobre a igreja como sobre o Estado, ainda não tinha as proporções que viria a alcançar mais tarde na Idade Média, mas já se inclinava fortemente nessa direção. Vejamos quais foram as causas desse movimento.

A semelhança da igreja com o império, como organi¬zação, fortalecia a tendência da nomeção de um cabeça. Em um Estado governado por uma autocracia, e não por autoridades eleitas, no qual um imperador gover¬nava com poderes absolutos, era natural que a igreja, da mesma forma, fose governada por um chefe. Em toda parte os bispos governavam as igrejas, porém esta pergunta surgia constantemente: Quem governará os bispos? Qual o bispo que deve exercer na igreja a autoridade que o imperador exerce no império?

Os bispos que dirigiam igrejas em certas cidades eram chamados "metropolitanos" e mais tarde "patriarcas". Havia pa¬triarcas em Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantiopla e Roma. O bispo de Roma tomou o título de "pai", que mais tarde foi modificado para papa. Entre os cinco patriarcados acima mencionados havia frequentes e fortes disputas pela supremacia. Mais tarde essa disputa ficou somente entre o patriarca de Constantinopla e o papa de Roma, para saber-se qual dos dois seria chefe da igreja.

Roma reclamava para si autoridade apostólica. A igreja de Roma era a única que declarava poder men¬cionar o nome de dois apóstolos como fundadores, isto é, os maiores de todos os apóstolos, Pedro e Paulo. Sur¬giu, então, a tradição de que Pedro foi o primeiro bispo de Roma. Ora, como bispo, Pedro deveria, por certo, ser papa. Supunham que o título "bispo", no primeiro século, tinha o mesmo significado que lhe davam no quarto século, isto é, chefe do clero e da igreja, e que Pedro, como principal entre os apóstolos, deveria exer¬cer autoridade sobre toda a igreja. Citavam, dois textos dos evangelhos, como prova desses fatos. Um desses textos ainda pode ser visto, escrito em latim, na cúpula da basílica de S. Pedro, no Vaticano e diz: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja." O outro é "Apascenta as minhas ovelhas." Argumentavam da seguinte forma: Se Pedro foi o chefe da igreja, então seus sucessores, os papas de Roma, devem continuar a exercer a mesma autoridade.

A organização da igreja de Roma e bem assim seus dirigentes primitivos defendiam fortemente essas afirmações. Os bispos da igreja de Roma, de um modo geral, eram muito mais fortes, sábios e enérgicos que os de Constantinopla; por essa razão sua influência era sentida em toda a igreja. A influência da antiga tradição imperial que fizera de Roma a senhora do mundo ainda estava presente na sociedade romana. Neste ponto há um constraste notável entre Roma e Constantinopla.

Originalmente Roma havia feito os imperadores, ao passo que os imperadores fizeram Constantinopla, e a povoaram com seus súditos submissos. A igreja de Roma sempre se mantivera conservadora na doutrina, pouco influenciada por seitas e heresias; permanecia, naqueles dias, como uma coluna do ensino ortodoxo. Esse fato aumentava sua influência em toda a igreja, de modo geral.

Além disso, a igreja de Roma apresentava um Cris¬tianismo prático. Nenhuma outra igreja a sobrepujava no cuidado para com os pobres, não só entre seus mem¬bros, mas também entre os pagãos, nas ocasiões em que se manifestava a peste e a fome. A igreja de Roma havia oferecido auxílio liberal às igrejas perseguidas em ou¬tras províncias. Quando um funcionário pagão de Roma pediu à igreja os seus tesouros, o bispo reuniu os mem¬bros pobres, e disse-lhes: "Aqui está o nosso tesouro."

A transferência da capital de Roma para Constanti¬nopla, longe de diminuir a influência do bispo ou papa romano, fê-la aumentar consideravelmente. Já verifi¬camos que em Constantinopla o imperador e a corte dominavam a igreja; o patriarca, de um modo geral, estava sujeito ao palácio imperial. Entretanto, em Roma não havia imperador sobrepondo-se ao papa ou eclipsando-o. Portanto, o papa era a mais alta autori¬dade na região.

A Europa inteira sempre olhara para Roma com certa reverência. Agora a capital do império estava longe; especialmente estando o próprio império em decadência, o sentimento de lealdade para com o papa, pouco a pouco, tomou o lugar da lealdade para com o imperador.

Foi assim que em todo o Ocidente o bispo de Roma, ou papa, chefe da igreja em Roma, começou a ser conside¬rado como a autoridade principal de toda a igreja. Foi dessa forma que no Concílio de Calcedônia, na Ásia Menor, no ano 451, Roma ocupou o primeiro lugar e Constantinopla o segundo. Preparava-se dessa forma o caminho para pretensões ainda maiores da parte de Roma e do papa, nos séculos futuros. Durante esse período da igreja imperial, entretanto, outro movimento estava em progresso, isto é, a maior catástrofe de toda a história — a queda do Império Romano Ocidental. No reinado de Constantino, apa¬rentemente o reino parecia estar tão bem protegido e invencível, como o estivera nos governos de Marco Aurélio e de Augusto. Contudo, estava corroído pela decadência moral e política, e pronto para ser desmoronado por invasores vizinhos, que estavam desejosos de invadi-lo. 25 anos após a morte de Constantino no ano 337, os muros do Império Ocidental foram derribados, as hordas de bárbaros (nome dado pelos romanos aos demais povos, exceto a si mesmos, aos gregos e aos judeus), começaram a penetrar por toda parte nas indefesas províncias, apoderando-se dos territórios e estabelecendo reinos independentes. Em menos de cento e quarenta anos, o Império Romano Ocidental, que exis¬tiu durante mil anos, foi riscado do quadro das coisas existentes. Não é difícil encontrar as causas de tão fragorosa queda.

As riquezas do império eram cobiçadas pelos povos bárbaros, seus vizinhos. De um lado da fronteira havia cidades opulentas que viviam despreocupadamente, vastos campos com fartas colheitas, enfim, pessoas que possuíam tudo quanto as tribos pobres tanto desejavam. Por essa razão enfileiravam-se, agressivas, do outro lado da fronteira. Durante séculos a invasão dos bárbaros fora a principal preocupação dos imperadores romanos. As fronteiras do império estavam sempre defendidas contra as ameaças desses inimigos. A única razão de haver vários imperadores ao mesmo tempo decorria da necessidade de um governante investido de autoridade próximo aos locais de perigo, para que pu¬desse agir, sem esperar ordens da capital distante.

Mesmo em seus melhores tempos, homem por homem, os romanos só estavam em igualdade de condi¬ções com os bárbaros, e, após séculos de paz, haviam perdido a prática de guerrear. Em nossos dias as nações civilizadas possuem munições de guerra muito superiores àquelas que as tribos usavam. Nos tempos antigos uns e outros guerreavam com espadas e lanças; a única vantagem dos romanos consistia na magistral disciplina de suas legiões. Entretanto, a disciplina havia decaído nos tempos dos últimos imperadores, e os bárbaros eram fisicamente mais fortes, mais intrépidos, e esta¬vam mais aptos para a guerra. O mal das forças deca¬dentes do império romano estava nesta grave circuns¬tância: As legiões eram adestradas pelos próprios bárbaros, os quais às vezes haviam sido contratados para defenderem a cidade de Roma, contra seus pró-prios povos. A maior parte das legiões, seus generais e bem assim muitos imperadores procediam de raças bárbaras. Nenhuma nação que habitualmente use es¬trangeiros para defendê-la, quando necessário, poderá manter sua liberdade por muito tempo.

O Império Romano, não muito forte em seus recursos humanos, também estava enfraquecido pelas guerras civis, que duraram gerações, provocadas por vários pretendentes ao trono imperial. Os imperadores já não eram escolhidos pelo senado. Quando um deles era as¬sassinado (como o foram em maioria), cada exército das várias províncias apresentava seu próprio candidato, e a decisão não era feita mediante votos, mas pelas armas. Durante o espaço de noventa anos, oitenta chefes foram proclamados imperadores e cada um reclamava o trono. Em certa época os chamados imperadores eram tantos, que passaram a ser denominados "os trinta tiranos". As cidades eram saqueadas, e os exércitos eram pagos de forma extravagante e exagerada. O império empobreceu por causa da sede de poder. O resultado foi este: as guarnições militares foram retira¬das das fronteiras, a terra foi deixada sem defesa, à mercê dos invasores.

A causa imediata de muitas invasões foi o movimento das tribos asiáticas. Quando os bárbaros que viviam a leste das províncias européias se lançaram sobre os romanos, declararam que foram a isso forçados, pois hostes irresistíveis de guerreiros asiáticos e suas famílias lhes haviam tomado suas terras, obrigando-os a dirigir-se para o Império Romano. Esse povo é conhecido pelo nome de hunos. Não se sabe por que motivo abandonaram seus lares na Ásia central; crê-se, contudo, que foi por causa da mudança de clima e escassez de chuva, que transformou campos férteis em desertos. Mais tarde os hunos, sob a orientação do feroz rei Átila, entraram em contato direto com os romanos e constituíram-se no inimigo mais terrível do império.

Considerando que a história que estamos narrando é a história da igreja e não a do Império Romano, a descrição das tribos invasoras deve ser apenas um breve esboço: As primeiras invasões foram realizadas pelas raças que viviam no Danúbio e no Mar Báltico. Os visigodos (godos do ocidente) dirigidos pelo capitão Alarico invadiram a Grécia e a Itália, capturaram e saquearam Roma, e estabeleceram um reino no sul da França. O vândalos, dirigidos por Genserico, invadiram a França, conquistaram a Espanha, passaram para o norte da África e conquistaram aqueles países.

Os fran¬cos, uma tribo germânica, capturaram o norte da Gália e deram-lhe o nome de França. Mais tarde, um rei dos francos, chamado Clóvis, tornou-se cristão, e foi imi¬tado por seu povo nesse gesto. Os francos ajudaram, muito na conversão do norte da Europa ao Cristia-nismo, embora às vezes empregassem a força. Os an¬glos e os saxões da Dinamarca e dos países do norte, vendo que a Grã-Bretanha havia sido abandonada pelas legiões romanas, realizaram invasões em gerações seguidas, até quase extinguirem o Cristianismo. Somente mais tarde o reino anglo-saxão se converteu ao Cristianismo, mas através de missionários de Roma.

No ano 450, os temíveis hunos, dirigidos pelo cruel rei Átila, invadiram a Itália e ameaçaram destruir não somente o Império Romano, mas também todos os paí¬ses que Roma governava. Os godos, os vândalos e os francos, sob o governo de Roma, uniram-se contra os hunos, e travaram então a batalha de Chalons, no norte da França. O hunos foram derrotados, após terrível matança, e com a morte de Átila logo depois, perderam seu poder agressivo e desapareceram. A batalha de Chalons (451) demonstrou que a Europa não seria go¬vernada por asiáticos, mas que se desenvolveria de acordo com a sua própria civilização.

Por causa das sucessivas invasões e divisões, o ou¬trora vasto império de Roma ficou reduzido a um pe¬queno território em redor da capital. No ano 476, uma tribo de germânicos, aparentemente pequena, os hérulos dirigidos pelo rei Odoacro, apoderou-se de Roma, destronou o menino imperador Rômulo conhecido por Augusto o Pequeno, ou "Augústulo". Odoacro tomou o título de rei da Itália, e desde esse ano, 476, o Império Romano Ocidental deixou de existir. Desde a fundação de Roma, até à queda do império, passaram-se mil e quinhentos anos. O Império Oriental que tinha como capital Constantinopla, durou até ao ano de 1453.

Quase todas as tribos invasoras eram pagãs de ori¬gem. Os godos constituíam uma exceção, pois haviam sido convertidos ao Cristianismo por Ário, e possuíam a Bíblia em sua própria língua, cujas porções ainda exis¬tentes formam a primitiva literatura teutônica.

Tam¬bém é certo que quase todas as tribos conquistadoras tornaram-se cristãs, em parte por meio dos godos e em parte pelo contato com os povos entre os quais se esta¬beleceram. Mais tarde os arianos chegaram a ser cren¬tes ortodoxos.

O Cristianismo dessa época decadente ainda era vivo e ativo, e conquistou muitas raças invasoras. Essas raças vigorosas, por sua vez, contribuíram para a formação de uma nova raça européia. Como se vê, decaiu a influência do império, desfez-se o poder imperial de Roma, porém aumentou a influência da igreja de Roma e dos papas, em toda a Europa. Assim, o império caiu, porém a igreja ainda conservava sua posição imperial.

Devemos mencionar aqui alguns dos dirigentes da igreja imperial nesse período. Atánasio (296-373) foi ativo defensor da fé no início do período. Já vimos como ele se levantou e se destacou na controvérsia de Ário; tomou-se a figura principal no Concílio de Nicéia, em 325, apesar de não ter direito a voto; logo depois, foi escolhido bispo de Alexandria. Cinco vezes foi exilado, por causa da fé, mas lutou fielmente até ao fim, terminando sua carreira com paz e com honra.

Ambrósio de Milão (340-397), o primeiro dos pais latinos, foi eleito bispo enquanto era ainda leigo, e nem ao menos era batizado, mas recebera então instrução para tornar-se membro. Tanto os arianos como os ortodoxos notaram nele qualidades para ser bispo. Ambró¬sio tornou-se uma figura destacada na igreja. Repreendeu o imperador Teodósio, por causa de um ato cruel, e obrigou-o a confessar-se. Mais tarde o próprio imperador o tratou com alta distinção, sendo eleito para pregar nos funerais desse imperador. O próprio Ambrósio foi autor de vários livros, porém a maior distinção, para ele, foi receber na igreja o poderoso Agostinho.

João, chamado Crisóstomo, "a boca de ouro", em razão de sua eloquência inigualável, foi o maior prega¬dor desse período. Nasceu em Antioquia, no ano 345. Chegou a ser bispo de Constantinopla, no ano 398 e pregou à imensa multidão que se reunia na catedral de Sta. Sofia. Entretanto, sua fidelidade, independência, zelo reformador e coragem, não agradavam à corte. João Crisóstomo foi exilado e morreu no exílio, no ano 407, porém sua memória foi vindicada; seu corpo foi levado para Constantinopla e sepultado com grandes homenagens. Foi poderoso pregador, estadista, e ex¬positor competente da Bíblia.

Jerônimo (340-420) foi o mais erudito de todos os pais latinos. Estudou literatura e oratória em Roma.

Entretanto, renunciou às honras do mundo, para viver uma vida religiosa fortemente matizada de ascetismo. Estabeleceu um mosteiro em Belém e ali viveu durante muitos anos. De seus numerosos escritos, o que teve maior influência e aceitação foi a tradução da Bíblia para o latim, obra que ficou conhecida como Vulgata Latina, isto é, a Bíblia em linguagem comum, até hoje a Bíblia autorizada pela igreja católica romana.

O nome mais ilustre de todo esse período foi o de Agostinho, nascido no ano 354, no norte da África. Ainda jovem, já era considerado brilhante erudito, porém mundano, ambicioso e amante dos prazeres. Aos trinta e três anos de idade tornou-se cristão, por in¬fluência de Mônica, sua mãe, e pelos ensinos de Ambró¬sio, bispo de Milão, e bem assim pelo estudo das epísto¬las de Paulo.

Agostinho foi eleito bispo de Hipona, no norte da África, no ano 395, ao tempo em que começaram as invasões dos bárbaros. Entre as muitas obras de Agos¬tinho destaca-se "A Cidade de Deus", na qual ele faz magnífica defesa, a fim de que o Cristianismo tome o lugar do dissolvente império. O livro "Confissões" encerra as profundas revelações da sua própria vida e coração. Porém a fama e a influência de Agostinho estão nos seus escritos sobre a teologia cristã, da qual ele foi o maior expositor, desde o tempo de Paulo. Agostinho morreu no ano 430.

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